Prefácio do Ministro Luis Felipe Salomao.
Com o advento da Lei 14.112/2020, que internalizou no Brasil a Lei Modelo da UNCITRAL, o ordenamento jurídico pátrio passou a permitir que juiz competente conceda eficácia jurídica interna a processos estrangeiros de insolvência. A Lei Modelo foi desenhada para fornecer um tratamento mais racional a empresas transnacionais que estejam submetidas a mais de uma jurisdição, de forma a permitir uma coordenação harmônica entre vários processos existentes, tudo isso através do instrumento jurídico da cooperação internacional. Contudo, como forma de não suplantar a soberania jurídica dos países, o próprio regramento da UNCITRAL previu uma exceção à aplicação dessa regra: não se admitirá a eficácia interna quando o processo estrangeiro ofender de forma manifesta a ordem pública. É esse o campo de investigação da obra, que busca definir a extensão dogmática da cláusula de barreira da ordem pública. Para tanto, o trabalho foi dividido em duas partes: (a) uma análise geral dos propósitos da Lei Modelo e uma investigação do termo ‘ordem pública’ na doutrina do direito internacional e na jurisprudência do STF e STJ; (b) partindo-se dessas análises, numa segunda etapa, procura-se a própria definição dogmática da cláusula, identificando nesse arcabouço, ainda, um caráter dúplice irradiado dos termos ‘somente’, ‘manifesta’ e ‘ofensa’, vinculados à proteção da soberania jurisdicional e à vedação a um retrocesso nacionalista. Por fim, da integração entre a parte geral e a parte especial, propõe-se um modelo regulatório para a aplicação da cláusula de barreira, fundamentado basicamente nos avanços civilizatórios da Constituição Federal.