Não é de hoje que a literatura brasileira aborda a alteridade animal. A tradição inclui desde
a inocente conversa entre burros promovida por Machado de Assis numa crônica sobre a eletrificação
dos bondes até a vertiginosa troca de olhares entre uma mulher e um búfalo criada por Clarice Lispector.
Neste A hora do gato, porém, João Paulo Vaz embaralha de vez as noções de humanidade e animalidade
– não por acaso oito anos depois de ter ousado “atualizar” a metamorfose kafkiana em seu primeiro
romance, Greg Sam.
Com imaginação e humor, o autor nos envolve em uma narrativa tão surpreendente quanto verossímil.
A partir de um pressuposto inusitado, marca dos contos premiados Vaz, acompanhamos a trajetória de
Gregório, um homem que, ao completar 60 anos, vive o desalento e a solidão, além do fantasma de um
pacto feito na infância com o irmão morto pela covid.
Graças à linguagem precisa e ágil como um gato, o leitor consegue sentir na pele (e no pelo) do personagem
o seu duplo deslocamento: pela cidade do Rio de Janeiro, que também se metamorfoseia e por outra forma
de existir no mundo.