"A mestiçagem é uma pedra de toque na compreensão da sociedade brasileira. Isso porque esse “ser mestiço” foi e continua sendo uma condição definidora e inquestionável do Brasil. Durante a vigência da escravidão neste que foi o país que mais recebeu africanos escravizados e o último a abolir a escravatura, a mestiçagem começou como um ato de violência. Violência de gênero e raça, que acabou complexificando tudo o que existia entre os dois polos sociais que sustentavam o Brasil colonial: escravizados e seus proprietários. E desde cedo, a miscigenação se tornou uma realidade na organização social e racial do Brasil.
A questão é que o pardo sempre foi uma categoria sociorracial flexível. Se por um lado ela pressupunha uma ascendência mestiça, não se tratava de uma mestiçagem necessariamente composta por sujeitos com a mesma pertença racial. A depender do período e da região do país, pardo poderia designar pessoas com ascendência e características físicas significativamente distintas. Mas há algo que não muda quando falamos de pessoas pardas em qualquer momento da história brasileira: estamos sempre tratando de não brancos.
As múltiplas formas de mestiçagem no Brasil atravessaram o tempo e seguem sendo uma chave fundamental de compreensão do país. Num contexto em que ações afirmativas e políticas públicas de reparação histórica passaram a ser desenhadas e implementadas — graças à luta dos movimentos negros —, entender quem é pardo se tornou urgente para compreender grande parte da complexidade que organiza as relações raciais brasileiras na atualidade.
Justamente por isso, o livro A questão do pardo no Brasil chega em hora propícia. Escrito por importantes nomes dos estudos sobre relações raciais, o que temos em mãos são retratos da pluralidade e da complexidade do que significa ser pardo no Brasil do século xxi. Retratos que tratam da vida da maior parcela da população brasileira e que permitem uma revisitação crítica da nossa história. E, por ambas as razões, é um livro que interessa a todos/as nós."