A infância precisa ser inventada. É uma construção pessoal, iluminada pelo lúdico, com a força da metáfora. Há que se interpretar um mundo que não se domina, de que não se tem conhecimento suficiente. Nesse esforço do pequeno, movendo-se no oceano das incertezas, todos somos, necessariamente, poetas. A despeito de assumirmos ou não o posto avançado da escrita, seguimos sempre à procura de sentido, como forma de credenciar a vida, com a responsabilidade do adulto assentada no papel carbono da infância. E a talentosa Lilian Dias nos introduz nesse mundo com maestria, à conta da voz tranquila e firme de quem tem muito a ensinar. Perfilando seus personagens na cronologia primária dos dias da semana, como costumávamos gerir o tempo, quando ainda pequenos, Lilian confere ao texto uma respiração própria, um andamento muito particular e admirável, que deságua na percepção do homem como um ser, por natureza, semântico, que precisa significar e encontrar significado, construir uma narrativa, para justificar-se.
Transitando por seus cenários e referências, percebi a obra As sete faces de um anjo sem trombeta como quem assiste, em meio à praça dos encontros fortuitos, um teatro de fantoches, espelhando a própria existência. Lembrei-me, também, daquele sonho intenso e realista, que amanhece nítido e invade o dia, nos desafiando a decifrá-lo. O leitor que caminhar por essa senda saberá se reconhecer e enxergar que a poesia carece ser vivida.
Rodrigo Carpi Nejar