BOLA DE SEBO E OUTRAS NARRATIVAS

O leitor tem em mãos um mostruário dos talentos de um grande escritor, em quatro contos que percorrem uma gama variegada. Um deles narra a compassiva estória de uma criada que, abusada e grávida, vê-se às voltas com uma acusação de crime. Outro desata a fantasia lírica, quando o clarão da lua leva um severo padre, embalado por trinados de rouxinol e aroma de madressilva, a descobrir o esplendor das belezas deste mundo nutrindo o amor profano. Ainda outro, dando uma boa medida da veia cômica do autor, flagra um espírito simples no confessionário, com sua própria concepção, aliás não muito ortodoxa, do que seja ou não pecado. O conto do título, “Bola de Sebo”, é também o mais famoso dentre todos, joia de um gênero que impõe suas próprias normas quanto à concentração de entrecho e criação de atmosfera. Calou fundo no imaginário de sucessivas gerações, sendo adaptado e readaptado para outros formatos artísticos. O filme No tempo das diligências (Stagecoach) (1939), clássico de John Ford que lançou John Wayne, ganhando prêmios e verbetes nas enciclopédias de cinema, é até hoje reprisado e refilmado. Não há menção de Maupassant nos créditos, mas o entrecho é facilmente reconhecível. A começar pela diligência, microcosmo que confina e adensa a situação dramática, em torno de uma prostituta discriminada por passageiros que são resumos de classes ou grupos sociais.