COLO INVISIVEL

Eu estava com aproximadamente quatro anos e meio de idade e, rindo, corria olhando para baixo focada naquele chão vermelho, feito com cimento queimado.
Numa das passadas para o cômodo ao lado, senti uma forte dor. Por não suportar tamanha alegria, minha madrasta virou a frigideira de óleo quente em minhas costas. Queimou minha pele e minha alma para sempre. Nem sei como foi a reação de meu pai, nem os cuidados que tomaram a fim de interromper aquela tortura, mas a restauração da pele não aconteceu até hoje.
Tenho uma cicatriz profunda em forma de coração nas costas, resultado dessa violência.
Nos dias seguintes mantiveram o descaso e os maus-tratos. Foi quando eu fugi, e eles, bêbados, sequer perceberam. Era noite e eu fui brincar na rua e decidi que não voltaria mais."

A carência de um colo na vida de uma menina abandonada e as descobertas a respeito de suas origens estão no cerne dessa obra, que fala, sobretudo, de solidão na infância e dos riscos ao crescer em situação de rua.
Com a coragem de visitar e expressar suas memórias, a protagonista denuncia a violência sofrida e, em um processo de autoconhecimento, descobre e revela as diversas formas de colo que encontrou pelo caminho, a busca pela visibilidade, suas fraquezas, escolhas e as consequências da falta da mãe na sua formação como mulher.
A narrativa concisa apresenta a transformação da personagem por meio da paixão pela Literatura.