"Contos ordinários de melancolia" tem uma escrita performática que quebra radicalmente as fronteiras entre poesia, ficção e realidade. Os textos trazem uma forte discussão do feminino e questionam o patriarcado em todas as suas esferas, não de modo óbvio, mas, sobretudo, através da linguagem. A autora inventa uma forma própria e um ritmo particular para explorar a língua, e aborda sem pudor temas nada convencionais que dilaceram cenas cotidianas.
Como sinaliza a professora e pesquisadora Rita Terezinha Schmidt na orelha da obra, “para a narradora, escrever é uma forma de matar, isto é, de aprisionar na palavra escrita aquilo que a memória não consegue esquecer. Por isso existe uma cumplicidade entre o que é narrado – o mundo das personagens com seus dramas cotidianos – e a narração, que mantém um tom coloquial, às vezes espirituoso, às vezes sutilmente irônico, mas sempre compassivo, sugerindo aceitação diante da inevitabilidade dos devires humanos.
São muitas as figuras femininas que vão surgindo, em poucas pinceladas, como numa galeria de fotos: Maria, a queixosa, Mira, que perdeu as palavras, Carnelha, a que se consola com um corpo morto, Izadora, a errada, Dolores, a pintura falsa, Nalvinha, a que chora, Miela, a enferrujada, Dolores, a medida da dor, Ana que não queria ser uma vaca branca e por isso dança, Nana, a que foi abandonada, Tereza, a que não aprende a deixar a dor, Marlene, que não sabia cortar seu enredo, Nissinha, a que queria ser só, Benta, a mãe abusiva, a madrinha que expulsa a afilhada, e Margô, a irmã suicida. Cada uma representa um modo de sentir e viver, mas todas são emocionalmente paralisadas por um cotidiano opaco e vazio, de solidão, de desperdício, vidas meio à deriva.
Impossível não considerar Contos ordinários de melancolia uma joia rara no universo da literatura brasileira. Mas longe de ser uma obra de entretenimento ou de fácil deleite, ela traz desassossegos ao tecer um universo de questões nevrálgicas que tem a ver com a materia