Os intercâmbios entre história e outros campos do saber e da sensibilidade, desafiadores e sempre incentivados, são ainda pouco praticados pelos historiadores da memória. Marcel Proust, logo no início de sua extensa obra, tece um comentário que desvela os pontos nevrálgicos que enunciam e diferenciam as várias teorias da memória, em seus "caminhos secretos para entrar em nós". Nós, historiadores, parecemos evitar as vias que não sejam já bem sinalizadas. As noções centrais e práticas de vetores historiográficos dominantes – historiografia francesa e história oral – que, de formas diversas, subsumem a memória e sua linguagem aos procedimentos historiográficos, cristalizaram-se de tal forma que passaram a prescindir dos debates teóricos que lhe antecederam e, precisamente, instituíram o campo minado em que se inscrevem e se movimentam as relações entre memória e mundo, entre memória e história, os dispositivos que as regem e conferem presença e vida à memória e aos atos de rememoração e de esquecimento. Ambas conferem à memória – suas expressões e práticas, materiais ou simbólicas – um lugar de história no sentido de ser reconhecida somente se acomodada, ainda que com desconforto, aos procedimentos histórico-historiográficos. A indagação que se impõe, e que esse livro busca discutir, é se a linguagem da memória e do esquecimento [ativa no mundo, nos indivíduos, grupos sociais e culturas] acomoda-se, e em que medida, aos dispositivos de produção do saber histórico, ou se extravasa, por inúmeras janelas, os edifícios metodológicos fixados. O desafio aqui foi abri-las e deixá-las o máximo possível abertas, interpelando-a e colocando algo simples para o historiador: a urgência de uma atenção maior às teorias da memória, construídas fora do seu domínio disciplinar, que os estudos históricos, instalados na falsa segurança de territórios demarcados, seguem ignorando ou desprezando.