DECOLAGEM

Foi por um triz. O poeta e compositor Mauro Santa Cecília, letrista de canções como “Por você” (Barão Vermelho) e “Amor pra recomeçar” (Frejat), lembra de cada detalhe da madrugada de 25 de agosto de 2018, quando chegou à emergência do hospital com fortes dores na barriga. Pensava que bastava tomar um remedinho e logo seria liberado de volta para casa. Não foi assim. Descobriu-se com câncer, com um tumor no intestino. Já ficou por lá mesmo, passou por duas cirurgias e, 12 dias após a internação, no dia de alta, soube que tinha um segundo câncer, este no sangue, leucemia crônica. Mas com o afeto da família e amigos, a dedicação ao tratamento, o auxílio indispensável da ciência, do mistério e do oculto se manteve firme e descobriu que milagres acontecem. Seis meses depois seu médico lhe disse: “Você tinha dois cânceres e agora não tem mais nenhum.” Vida e morte. Saúde e doença. O simples e o tortuoso. O sacrifício e a celebração. São os temas que permeiam os 45 poemas que compõem Decolagem, oitavo livro de Mauro Santa Cecília, que também fez as fotografias e a colagem de capa, bem como um desenho que aparece entre os textos. O livro conta ainda com prefácio de Adriano Nunes, orelha de Rodrigo Pinto e posfácio de Eduardo Coelho. O poeta optou por em nenhum momento nomear a doença que lhe acometeu. “A doença está ali e pode ser a de todos. Assim como o meu renascimento”, diz. E a poesia, sem dúvida, ajudou Mauro a renascer. Se a situação limite inspirou poemas como “Prontuário”, “cti”, “Internação” e “As veias”, ela também fez acender a esperança e revelar a força que ele nem sabia que tinha. “A dor é um veneno mortal/mas não é mais forte/ do que eu e você”, escreve o poeta em “A dor e sua ironia”. Em Tolerância, Santa Cecília humildemente se revela: “Ainda estou no processo da grandeza humana/ de zero a dez, três”. E são os versos do poema que dá título ao livro que sinalizam que, apesar dos dias difíceis, a vida decola e volta a pulsar: “os desafios continuam/ os everests são outros/ a vida é sua própria causa/ e nada garante que uma tradição sobreviverá”.