Em 1369, em plena Guerra dos Cem Anos, um grupo de nobres sai de Castela rumo a Portugal, transitando entre os dois reinos da Península Ibérica. Eles procuram o apoio do rei português, Fernando I, liderados pelo poderoso Fernando de Castro, para vingarem a morte de seu rei, Pedro I, o Cruel, promovida por seu meio-irmão, Enrique Trastâmara. Oferecem a seu aliado português o trono de Castela e a partir daí desenrolam-se duas guerras que levariam os dois reinos a importantes transformações, seja da monarquia, seja da sociedade política. Um contexto pleno de ilegitimidade dinástica, rompimentos e usurpações e que demonstra bem o difícil caminho da renovação monárquica e sócio-política na Baixa Idade Média ibérica. À primeira vista, parece o enredo de um romance, no entanto, é a vida pulsante, trata-se de um estudo de caso, significativo para a discussão a que nos propomos, capaz de manifestar os agentes dinâmicos das atualizações que se desenrolam neste contexto. O tema das mobilidades de grupos na medievalidade carece, em geral, de estudos mais aprofundados que analisem as condições de seu trânsito e estabelecimento para além dos móbeis de saída e potencial retorno às terras de origem. Um caso qualificado em geral como de exílio servirá de suporte à demonstração desta análise que versa sobre a extraterritorialidade e relativização do conceito de fronteira para as elites frente a um fortalecimento progressivo do conceito de naturalidade. Mobilidades que levam de uma condição de emigrante à de degredados, obrigados a sair de onde se encontram movidos por uma sentença condenatória e pela definição jurídica de traição. O século XIV apresenta-se, assim, como palco privilegiado de análise do esgotamento de modelos e consequente atualização de dados da tradição apontando para uma crescente institucionalidade na administração dos reinos. Uma sociedade política que se sentia capaz de oferecer a coroa a reis vizinhos até ser confrontada com os limites de suas capacidades.