ENGOLIDOS PELA TERRA

Entre jogos de sedução e poder, Tezuka toca feridas abertas por sistemas patriarcais, capitalismo e falsas promessas da tecnologia


Durante a Segunda Guerra Mundial, em meio ao conflito na isolada ilha Guadalcanal, um prisioneiro de guerra arrisca uma fuga impossível e é abatido por dois oficiais do Exército japonês. Repreendido pela sua atitude insana, o soldado norte-americano confessa que não agiu pela liberdade, mas sim pela esperança de rever uma mulher chamada Zefilth. Nos últimos instantes de vida, o fugitivo entrega-lhes um retrato dela e sussurra, como uma maldição: “Vocês também ficarão loucos”.

A imagem da mulher extraordinariamente bela desperta neles uma obsessão silenciosa e incontrolável. Mesmo após o fim da guerra, sem qualquer pista do paradeiro dela, os dois passam décadas em busca daquela figura enigmática. Quando enfim descobrem que Zefilth está no Japão, Gohonmatsu — filho do militar reformado Seki — é encarregado de investigar a origem da misteriosa mulher  cuja beleza é arma e escudo, capaz de dobrar vontades de homens poderosos e dominar corações. Mas Gohonmatsu começa a enxergar através do véu da sedução um plano muito mais profundo e ameaçador: uma conspiração que visa abalar os alicerces da civilização moderna.

A trama se desenrola em paralelo ao avanço da empresa fundada por um dos ex-oficiais, que vislumbra uma oportunidade de lucrar com uma invenção revolucionária: uma pele sintética que permite mudar a aparência de qualquer um. A tecnologia cria um mundo onde a identidade se dilui e as relações humanas são colocadas à prova em meio a embates movidos por interesses, ambição e falsidades.

Como uma obra transitória que marca a passagem de Tezuka dos trabalhos voltados ao público infantojuvenil para um momento mais maduro e adulto,
Engolidos pela Terra
, publicado originalmente na revista de mangá Big Comic entre 1968 e 1969, reflete a fase de experimentação do autor, tanto nos temas quanto no estilo artístico. O enredo mergulha nos aspectos sombrios da psicologia humana e retrata a sexualidade feminina como instrumento de poder, mas também como histórico alvo de opressão, além de trazer críticas às injustiças sociais e questionar a busca desenfreada por status e riqueza.

Neste universo em que a ganância, a vaidade e o poder ditam o destino de muitos, a obra lança luz sobre a delicada integridade humana, que por vezes cede, por vezes se mostra surpreendentemente firme.