O brasileiro começou a praticar futebol na passagem do século XIX para o XX. Entretanto, não é possível acreditar que um jogo que exigia disciplina e era regulado pela ética do cavalheirismo inglês pudesse ser transplantado ao Brasil e aqui frutificasse sem um processo de aclimatação. Seria mesmo de se estranhar que um jogo moderno, típico do capitalismo, pudesse se estabelecer em uma sociedade escravocrata e preservar intactas suas características originais. O Brasil terminou com a escravidão legal em 1888 e a República só foi decretada em 1889. Por outro lado, a Inglaterra era o país mais desenvolvido do mundo do ponto de vista político e econômico. O brasileiro não poderia simplesmente dar um passo da prémodernidade de sua forma de vida arcaica para dentro da modernidade do futebol. Não estávamos prontos para a modernidade. Mas, mesmo assim e de forma espantosa e curiosa, entramos nela de alguma maneira. O que parece ter ocorrido é que começamos a jogar futebol sem jogálo, propriamente falando. Isto é, não ocorreu uma transposição do jogo britânico para os trópicos brasileiros. O que ocorreu se parece mais com um processo de apropriação da modernidade sintática do futebol pela prémodernidade semântica do país.