HOMENS E OUTROS ANIMAIS FABULOSOS

A ficção mais fascinante, ao menos pra mim, é a que remove de minhas córneas, de meus tímpanos, enfim, de meus cinco sentidos a película realista-naturalista responsável por normalizar tudo ao meu redor: pessoas, conversas, cidades, o planeta inteiro. Abracadabra! Os contos do mago João Paulo Parisio, reunidos nesta coletânea, realizam muito bem essa cirurgia cognitiva. Eles revelam a realidade sem qualquer traço de normalidade. Mostram, com riqueza de detalhes, a realidade real: bizarra em todas as direções.

Que experiência poderosa, essa superexposição a seres e situações tão verdadeiros! É como visitar uma zona de guerra mística, dentro da própria mente, sem explosões nem baixas, povoada de metamorfoses e açoitada mais pelo silêncio do que por sirenes ou sereias. Uma zona de guerra psicológica, holográfica, com jeito de parque de diversões ou de videogame holístico.

A beleza estranha, às vezes perversa, de personagens ambíguas - ora luminosas ora sombrias -, não me deixou despregar do livro os olhos, os ouvidos, enfim, todos os cinco sentidos. Apaixonei-me pela delicada Boneca-de-Pano. Tive pena da velha folha de papel esquecida no fundo da gaveta da cômoda. O drama sertanejo de Bio Boi quase me fez entrar para o cangaço. Também quase cantei Parabéns pra você no aniversário da menina Clara, celebração cheia de filosofia e horror.

Mas pena, pena mesmo, eu senti foi da alquebrada Higina, coitada, cercada de urubus. Pouco depois conheci o espantoso capitão Naum e o adoentado José Kafka, e percebi que nessa noite eu teria pesadelos. Quando o coxo chegou o mundo ainda era jovem, as coisas ainda eram provisórias, sem realmente ser. Tudo ficou tão real - ou seja, tão fantástico - que eu já não me espantaria se, no apartamento dividido pelas amigas Inês, Maria e Salete, surgisse a onírica Nêfelis, pra formar o quarteto dos sonhos.

Repito: que experiência poderosa, essa superexposição a seres e situações tão verdadeiros! É a vida como ela realmente é: misteriosa, perigosa, maior que qualquer página de jornal. Parafraseando o demônio de Stratford-upon-Avon, os contos fantásticos do mago João Paulo Parisio me disseram repetidas vezes: “There are more things in heaven and earth, mister Oliveira, than are dreamt of in your philosophy.” Garanto que não estavam mentindo.