LADO B

Lado B, mais do que uma obra de denúncia e crítica social, é uma aula de como se faz a boa literatura, de como esta capta e ressignifica o mundo e, assim, transforma a crítica social em arte. Cesar Augusto de Carvalho constrói uma narrativa em oitos contos que transitam entre dois períodos trágicos da história do Brasil, o submundo do golpe militar e os porões da ditadura nazista que imperou no país nos últimos anos. Essas épocas distintas são articuladas sem que o leitor perceba a realidade dramática senão por meio de elementos que são próprios da literatura.


Criando o distanciamento necessário da literatura com o mundo para que esta se configure como tal, o autor vai captando e expondo de forma engenhosa as vilezas que constituíram o mundo real desses períodos dramáticos no país. Cesar Augusto extrai dos elementos do real o necessário para elevar a narrativa à universalidade, que ocorre na medida em que o jogo político fica exposto pelo desfile de uma galeria de tipos humanos que personificam os envolvidos, de uma ou de outra forma, nas vilezas dos crimes políticos, sem que haja nenhuma alusão ao real submundo da ditadura de 1964 e à sua versão mais próxima. Para tanto, o autor recorre a mediações literárias extraídas,
por exemplo, da grande literatura grega, simula uma aula tragicômica de história, caricaturiza a escola, denuncia crimes e falcatruas que lembram os cometidos sem, todavia, mencioná-los. O recurso da inversão é amplamente utilizado. Episódios dramáticos vividos pelos democratas são narrados por personagens do Lado B, como se foram eles os espoliados e vilipendiados. Enfim, por inúmeras mediações literárias
a obra atinge fundo o leitor. Há momentos divertidos, surpresas, mas sobretudo certo desconforto próprio das literaturas a que Antonio Candido chamou “facas afiadas”.



Ao leitor que viveu ambas as épocas, um rememorar; aos leitores mais jovens, um instrumento de elucidação política; aos amantes da literatura, um magistral passeio que os conduz com avidez ao desfecho. E ao autor talvez uma sensação de dever cumprido.



Ana Arguelho
Doutora em Literatura pela Unesp/Assis
Professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Acadêmica da Academia Feminina de Letras e Artes de Mato
Grosso do Sul