LIMIARES - VIDA E MORTE, DOCUMENTÁRIO E FICÇÃO

Com razão disse Gilberto Gil: “Não tenho medo da morte. Mas sim medo de morrer. A morte é depois de mim. Mas quem vai morrer sou eu”. Isso mesmo. Morrer vem antes da morte. Porque primeiro conhecemos o verbo, só depois o substantivo. Por isso, existimos morrendo. Morrer não nos é desconhecido. Mas, se Camões viu nisso beleza, ao dizer: “Fraqueza da humana sorte/Que quanto da vida passa/ Está recitando a morte”, entendendo a morte como um poema entoado sempre pela vida ao longo do seu caminho, sua beleza fica escondida em uma cultura que é analfabeta tanto para o verbo morrer, quanto para o substantivo morte. Os morreres e as mortes não somente são enigmas indecifráveis, mas inimigos insuperáveis. A nossa medicina que o diga: entende a saúde como postergação da morte e interpreta a morte como inimiga da vida. No belíssimo livro Limiares: vida e morte, documentário e ficção, Clarice Saliby passeia pelo cinema documental e mostra como as sociedades ocidentais contemporâneas desaprenderam e esqueceram a desafiadora arte de morrer. A obra é verdadeira ferida narcísica, porque deixa claro uma das pequenezas do nosso tempo e nos obriga a abrir mão de nossas existências “imortais”. Alea jacta est.