Este é um livro sobre Macau, uma cidade singular e improvável. É a cidade que eu fui descobrindo, com fascínio e exasperação, ao longo dos quase cinco anos em que lá vivi: as ruelas labirínticas, as alucinantes lojas de velharias e de animais para comer, o Porto Interior, com a sua população flutuante, fervilhante de vida, o contraste violento entre a Macau antiga, amável e decadente e a afirmação de uma modernidade agressiva, os múltiplos restaurantes, de comidas apetitosas e sabores subtis, o mercado com os seus cheiros intensos e, por vezes, nauseabundos, as farmácias intrigantes, a elegância da escrita, os casinos rodeados de casas de penhores, a omnipresença do jogo, a total ausência de repouso… Questões como a psicologia e o pensamento chinês são aqui postos em destaque, tal como o problema da droga e das sociedades secretas, aspectos menos conhecidos e menos luminosos da vivência da cidade. Todo o texto está impregnado de surpresa e ironia: surpresa, quando não pasmo, perante a alteridade, as práticas e os valores do outro; ironia, ao sopesar diferenças e paradoxos. Assim se exerce o olhar da antropóloga, que entende a diferença, mas frui de a apreender nos seus contrastes. Narra histórias e cita provérbios chineses exemplares: umas e outros ilustram o ‘choque cultural’ – como decorre daquele provérbio que surge logo no começo do livro e anuncia como um estrangeiro escreverá tanto menos sobre a China quanto mais tempo viver nela, tais os enigmas do país e as opacidades da sua civilização. E a autora condescende e reconhece que "o pensamento labiríntico (dos chineses) se assemelha à composição dos seus jardins". [António Vieira]