A coletânea aqui apresentada reúne um conjunto expressivo de textos – artigos de intervenção, análises acadêmicas, reportagens, entrevista e relatório – acompanhados de mapas de Gaza, Cisjordânia e regiões vizinhas. O volume se abre com o poema “Se devo morrer...”, de Refaat al-Areer, professor de Gaza assassinado em 2023, cuja voz poética funciona como portal ético para tudo que se segue. Em um prefácio incisivo, Masha Gessen dá ao livro seu título e estabelece a chave de leitura: refletindo sobre a memória em Berlim, observa como o “nunca mais é agora” foi reinterpretado pelas instituições estatais alemãs para legitimar a limpeza étnica na Palestina. Gessen descreve Gaza como um gueto – não o de Veneza ou o termo usado nos EUA, mas um gueto judeu da Europa Oriental ocupada pelos nazistas, agora em processo de eliminação. Nesse quadro, ecoa o que Elias Khoury chamou de os palestinos como “os judeus dos judeus”.
A primeira parte concentra-se na questão carcerária. Um relatório da organização Addameer – considerada terrorista por Israel, o que torna qualquer vínculo com ela passível de prisão – detalha as violações sistemáticas de direitos após 7 de outubro de 2023: recrudescimento das penas, restrições ao acesso a advogados, práticas de tortura e o uso recorrente da detenção administrativa, inclusive contra crianças. A entrevista com a militante estudantil Layan Kayed mostra como universidades e presos políticos integram o próprio coração da luta palestina; detida enquanto se dirigia a Birzeit para retirar seu diploma, ela narra as experiências de prisão e sua visão de educação popular. Já o texto de Soraya Misleh apresenta a história dramática de Islam Hamad, brasileiro-palestino que passou por prisões tanto israelenses quanto da Autoridade Palestina, revelando camadas distintas de violência institucional.
A seção seguinte reúne intervenções de sete autores. Gilbert Achcar e Rashid Khalidi analisam a nova fase da guerra sob a ótica das lutas anticoloniais e anti-imperialistas. A militante Daphna Trier revisita o legado do Matzpen para lembrar que uma classe trabalhadora colonizadora dificilmente oferecerá uma via emancipatória, sobretudo numa economia israelense moldada pela indústria bélica. Noura Erakat, Darryl Li e John Reynolds investigam as intersecções entre raça, Palestina e direito internacional. Entre os jornalistas, Lina Attalah discute os planos de deslocamento de palestinos de Gaza para o Sinai; Yuval Abraham expõe o uso de inteligência artificial na seleção de alvos – tecnologia que permite bombardear milhares de locais com base apenas na suspeita de presença de um militante –, e Sarah Lazare e Maya Shenwar retomam a tradição da esquerda judaica crítica ao sionismo, argumentando que não há segurança possível em um regime erguido sobre etnonacionalismo.
A edição ampliada acrescenta três textos: Adam Hanieh e Timothy Mitchell abordam o papel do petróleo na política regional e no apoio estruturante dos EUA a Israel, enquanto Avi Shlaim analisa o escolasticídio – universidades destruídas, escolas arrasadas, crianças órfãs e a terrível categoria administrativa para aquelas feridas sem parentes sobreviventes.
No conjunto, o livro oferece um diagnóstico contundente: como agir diante de um genocídio transmitido em tempo real? Sua resposta aponta para a solidariedade internacional e para a necessidade de pressionar governos e corporações que sustentam o massacre. Mostra como a violência colonial é inseparável da tortura e da destruição da infraestrutura da vida. Relembra que a luta palestina ilumina a degradação das democracias ocidentais e revela uma genealogia global de violência racial. E, ao colocar Palestina em diálogo com as resistências indígenas das Américas, sugere uma ética comum de dignidade e reexistência. Nesse horizonte, a conclusão se condensa em três letras que convocam ação: BDS.