Antevisão do inferno contemporâneo, este livro constituiu o primeiro estudo do impacto da desregulamentação das relações de trabalho e do uso sistemático da fome como forma de dominação. Robert Linhart, escritor, sociólogo do trabalho e jornalista francês descreveu o cotidiano dos trabalhadores boias-frias – objeto então de uma experiência precursora de superexploração na esteira do AI-5, hoje convertida em prática corrente – : desregulamentação do trabalho e remuneração individualizada por produção, privação de moradias e de alimentação básica, dissuasão da auto-organização política dos trabalhadores.
Linhart conversou com esses trabalhadores e também com antigos militantes das Ligas Camponeses; acompanhou os passos de novos sindicalistas que, de um modo ou de outro, buscavam realizar em 1979 a primeira greve salarial na agroindústria (então em transição para acoplamento com o setor automotivo) depois dos anos de trevas pós-AI-5. Mas a obra não traz uma visão de fora. O autor recolheu depoimentos dos trabalhadores e dialogou com intelectuais brasileiros (Julião, Conceição Tavares, Gullar). A partir dos conceitos e figuras críticas que estes forjaram (o Nordeste como campo de concentração – a diarreia como bomba nuclear introjetada pela fome – a fome moderna como arma de dissuasão política), Linhart escreveu um relato emocionante e na primeira pessoa, claro, fluente e intensamente visual, demonstrando que a crítica melhor e mais aguda nasce das lutas e das vítimas diretas no processo de exploração.
Publicado como reportagem no jornal francês Le Monde (1980), O Açúcar e a Fome, na mesma hora ampliado, virou livro na França (ed. Minuit) e no Brasil (Paz e Terra). Esgotado há tempos, ganhou agora nova tradução por Isabel e Maria Leonor Loureiro, com fotos do fotógrafo e cineasta François Manceaux que viajou pelo interior de Pernambuco com Linhart. O livro traz ainda capa da artista plástica Carmela Gross, projeto gráfico seu e de Carolina Caliento, prefácio a seis mãos por Gilmar Mauro, Claudia Praxedes e Fernanda Mauro Garcia, pela coordenação nacional do MST, e uma entrevista inédita realizada por Jean Copans com Robert Linhart, em junho de 1980 à ocasião do lançamento do livro. A edição atual e o posfácio são de Luiz Renato Martins.