Os 15 Heitorzinhos e outras histórias é como um livro de viagem... Seus movimentados contos representam um passeio pelos fatos cotidianos, pelas coisas da cidade e do mundo e pelas inquietações da alma humana. A formação do autor em cinema e artes plásticas produz histórias bastante visuais, em que não há propriamente uma busca pelo rebuscado, mas sim narrativas diretas, dinâmicas e ricas em imagens vívidas.
As histórias, várias delas eivadas de bom humor, vão num crescendo, até culminar no conto final, o mais grave e dramático. A viagem começa com a história de um filho de ex-escravizados, que, saindo do Morro da Providência, em 1912, é jogado sem querer numa jornada aos fortes sacolejos, rumo ao futuro e quase século e meio depois, vem a aportar na Favela da Maré, famosa por ser o primeiro lar da Marielle Franco. No percurso, ele presencia numa velocidade frenética as dilacerantes transformações urbanas impostas à cidade do Rio de Janeiro.
A viagem continua... São muitos relatos no entremeio, desde o drama existencial de uma águia de argamassa encarapitada num prédio decadente de Salvador e seu horror de desabar lá de cima. Ou a desconfiança de um personagem (que é o próprio autor) que ao receber a visita de um velho amigo da escola secundária de décadas atrás, é capaz de jurar que ele só chegou ali para comunicar o falecimento de alguém de tempos remotos. Há também a história de um circunspecto professor de cinema, que, dando conferências na Bulgária, é surpreendido por um misterioso cineminha particular instalado dentro da sua própria cabeça que transmite, ao vivo do Rio de Janeiro, os mal passos da sua queridíssima esposa. Ou o caso do suicidio de uma cigana que põe fogo às vestes nos primórdios da vida de periferia do próprio autor.
Ainda há a história de um tal Pereira, que é absolutamente viciado em pães franceses turbinados com bromato de sódio e que convive no opressivo espaço da sua cozinha com um amedrontado e pensativo micro besouro. Ou um obsessionado pastor evangélico convencido que pode devolver a vida à sua insepulta obreira amada, levada por uma terrivel enchente ocorrida num pobre arrabalde recifense.. Para encerrar, o conto que dá nome ao livro, os “15 Heitorzinhos”, traz meninos nascidos de um estranho parto múltiplo que se revelam, com o tempo, machistas, violentos, homofóbicos e vingativos. Por seu aspecto de estranhos bebês excessivamente prematuros, eles são encerrados pelos pais num lúgubre casarão de uma rua chamada Paula de Frontin Com a chegada da puberdade e os clamores do sexo, a situação explode e o desfecho pode ser trágico, eletrizante. O conto é uma espécie de metáfora da masculinidade tóxica, destruidora e infeliz.