O objeto deste belo livro de Filipe Moreau é o índio. Não diretamente o índio empírico do mato ou qualquer índio literário, desses de Alencar, mas as representações que o efetuam nos textos de Pe. Manuel da Nóbrega e Pe. José de Anchieta, jesuítas do século XVI. Sua leitura é uma experiência de imagens de um ser extinto, o tupi do litoral brasileiro, com que os jesuítas fizeram contato no século XVI; e, principalmente, uma experiência dos modos de pensar, agir e representar dos padres que as inventaram. Ou seja: neste livro não há índio, mas metáforas de índio, como algo visto e interpretado pelos padres. É interessantíssimo, porque as imagens informam o leitor, antes de tudo, sobre os padres. Há muito a antropologia demonstra que não só os ditos ‘‘primitivos’’ são objetos bons de observar. O exotismo é uma invenção europeia e poucas coisas serão tão estranhamente interessantes como um padre jesuíta do XVI. Dando conta de várias interpretações relacionadas ao tema ‘‘índio’’ dessas imagens, o livro de Filipe ordena as representações como tópicos de um glossário. O ‘‘índio’’ não preexiste aos discursos em que aparece como imagem, por isso Filipe o compõe como um objeto caleidoscópico, que vai sendo construído com os tópicos, enquanto a leitura avança. E como comenta as imagens com textos contemporâneos delas e também recorre a interpretações de historiadores e antropólogos do século XX, o livro tem caráter de compêndio: lendo-o sequencialmente ou procurando tópicos específicos, o leitor tem em mãos um trabalho minucioso e animado por uma generosidade rara.