O filósofo Oscar del Barco escreveu certa vez que “a poesia seria a ausência da linguagem na linguagem, ou um conjunto de palavras inaudíveis marcando sua diferença entre as palavras da linguagem. O homem está ali em seu não-estar, em seu não-ser, saído de si”. Tal ambivalência surge do movimento do próprio poema, e este realiza desvios capazes de deslocar o que permanecia estável, e sua leitura acaba por contornar uma espécie de vazio, criando o lugar da diferença, do outro. A poesia de Enrico Testa parece confrontar esse desastre da linguagem, e o leitor passa a ser refém desse desastre (numa sorte de lógica de hospitalidade, na qual cordialidade e hostilidade se atuam): “inscreveis-me também no registro do desastre”. Ou ainda, é um chamado dos e aos “restos de sacrifícios imemoráveis” para uma espécie de festa mitológica (mesmo que em sua impossibilidade). No lugar da diferença se abissa a ilusão da pretensão de captura de uma essência, de uma origem: “deambular apagando/a cada passo o princípio”. Nesse sentido, a poesia de Enrico Testa nos lança uma das tarefas mais difíceis de nosso tempo: sentir com, tornando-nos “companheiros sensitivos”, mesmo sabendo que todos os “abrigos [são] precários”, quando “estamos prontos para brincar de amarelinha do estrago”. E nessa aporia, como bem argumenta Patricia Peterle, em seu posfácio, se faz presente “um partilhar de vozes em que cada uma possui a sua expressão singular, assinaturas ou indícios, ao mesmo tempo em que já anuncia uma terceira, a voz do outro”. Em Páscoa de neve, Testa cria seus mundos e as ausências desses mundos, abrindo no corpo do poema a falha, a fissura que reenvia ao seu fora, e esse é seu movimento: tenta falar tais mundos, mesmo quando estes lhe escapam, com “o rastro mineral do olho”.