Se quisermos reconhecer as linhas de força que estruturam a poesia de Marcos Jorge Nasser, devemos começar por notar que elas se enredam em um léxico e numa imagética do desgaste e da sobrevida. Seus poemas não são construídos para oferecer respostas, mas para sustentar a interrogação – e, mais que isso, a exaustão da interrogação. A cidade, em particular, Niterói, não surge como cenário neutro, mas como figuração do desgaste histórico, palco do humano em declínio. É uma paisagem ao mesmo tempo íntima e social, na qual o poeta se move como quem recolhe fragmentos: não busca relíquias inteiras, mas rastros, sinais de vida sobrevivente. Nesse sentido, o tema do tempo é central. Mas não o tempo linear ou heroico da modernidade confiante em progresso. O tempo em Nasser é fragmentado, reflexivo, espiralado: sempre em ameaça de repetição (a espera de outro tempo) ou de pura paralisação (o beco sem saída). A repetição, em seus versos, em nenhum momento é mero recurso retórico; constitui-se como princípio estruturante, criando um efeito de transe, de retorno obsedante, ao mesmo tempo em que desabilita a expectativa de um desenvolvimento linear. O poeta repete para insistir, para rodear o indizível, para não deixar escapar o que resta. Há nisso um diálogo com certa vertente decadentista (em tom, não em forma rígida), que prefere o crepúsculo ao meio-dia, a interrogação ao dogma, o fragmento à totalidade. Percebemos, então, que sua poesia apresenta uma relação enviesada com a memória. Não se trata de um gesto memorialístico que queira conservar intacto o passado, mas de uma arqueologia consciente de sua falha: escavar, não para restaurar, mas para revelar o que está por baixo. A memória se apresenta como uma zona de risco, e não um abrigo. Se for monumento, o poema é o monumento de um trauma: memória que se recusa a desaparecer e, ao insistir, converte-se em crítica silenciosa ao presente. Posfácio de Nuno Rau.