"O aparecimento de Talagarça de Humberto Pio é, desde o título, um acontecimento que justifica esse esforço em favor da poética da linguagem. Por um instante,
nossa mente revolve o idioma que aprendemos a imitar desde muito cedo, faz aproximações, analogias, suposições, hipóteses e o título permanece ali como um vocábulo sem significado aparente. Essa sensação entre a incompreensão e a ignorância serve como alerta: a língua vai muito além desse conjunto de palavras corriqueiras que usamos no modo automático, aliás, ela não se resume à tarefa de comunicar o trivial ou o irrelevante.
Há quem parta do princípio de que o poema é uma mimese da fala, sobretudo na sua função de externar os pensamentos de alguém. É justo que se pense assim,
e que o poema seja uma expressão bem-acabada e altamente elaborada da estrutura do idioma, a partir de figuras, ritmos, coesão, enfim, elementos e fórmulas que juntas propiciam uma relação sensível entre o que o poeta diz e o que efetivamente chega ao leitor. Não estão errados, mas a poesia pode ir muito além, pois o próprio pensamento não se limita às convenções da língua que desde cedo nos condicionamos a repetir e a reproduzir em diversos usos da rotina da comunicação. Mas não custa lembrar uma passagem conhecida de Maiakóvski no seu Como fazer versos: “insisto muito na seguinte observação: eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se torne poeta, para que escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Damos o nome de poeta justamente à pessoa que cria essas regras poéticas.” Organizar ideias, memórias, sensações e experiências sem passar necessariamente pelas orações e estruturas sintáticas é um dos muitos desafios que identificamos em Talagarça, uma organização que exige um controle da linguagem que explora as muitas possibilidades do uso da palavra, pois é no uso dela (e de seus componentes, os fonemas, as tipologias, sua disposição na página) que reside sua materialidade. Citado Maiakóvski, não é necessário agora ci