Desde sua publicação em 2021, a coletânea Tráfico & traficantes na ilegalidade se estabeleceu com uma referência incontornável para o estudo do comércio transatlântico de africanos escravizados e seus principais agentes durante a sua fase final. Rapidamente esgotada, a obra retorna em 2025, no aniversário de 175 anos da Lei Eusébio de Queirós, que extinguiu o tráfico negreiro para o Brasil, para uma segunda edição, agora revista e ampliada. Os artigos aqui reunidos exploram temas como a construção de portos clandestinos por onde desembarcavam milhares de africanos todos os anos; trajetórias de ascensão econômica e social de homens partícipes nesse infame comércio; e investimentos oriundos do dinheiro do tráfico em outros empreendimentos que ajudaram a consolidar fortunas contemporâneas, abordagem esta, aliás, que a historiografia brasileira precisa enfrentar com mais firmeza. Além dos artigos que consagraram o volume como um clássico sobre a comunidade de traficantes brasileiros na era do contrabando negreiro, a nova edição agora possui mapas mais elaborados e sofisticados, que permitem vislumbrar a organização negreira e suas redes mercantis. Um novo artigo, sobre a organização empresarial negreira na fronteira sul, tema ausente na primeira edição, complementa a coletânea, preenchendo importante lacuna historiográfica, descentralizando a produção sobre o comércio negreiro e observando o seu desenvolvimento em outras partes do Brasil. Como se não fosse isso suficiente, a 2.ª edição conta com duas importantes adições: o prefácio de Flávio dos Santos Gomes, sobre as temporalidades da ilegalidade, e posfácio de Clemente Penna, que versa sobre a relação entre o comércio negreiro, História Pública e a política de reparações pelas mazelas resultantes do tráfico, dando ênfase ao capital bancário brasileiro oriundo do comércio de seres humanos trazidos da África, tema este atualíssimo e necessário. De fato, são muitas as novidades (e deixo que leitor descubra outras), mas algumas coisas não mudaram em relação à edição anterior: o rigor historiográfico, o compromisso político dos organizadores e organizadoras, autores e autoras com a denúncia do papel do tráfico e da participação de membros da classe dirigente brasileira nesse infame comércio e a contundência dos artigos que fizeram os leitores e leitoras indignarem-se com a desfaçatez dos agentes que burlavam as leis antitráfico e com a leniência das autoridades brasileiras que fizeram vistas grossas à entrada ilegal de mais de 700 mil africanos no Brasil Imperial. Repito aqui algumas palavras da orelha original: “A partir do mergulho em fontes, tanto clássicas como inéditas, nacionais e internacionais, garimpadas em arquivos e repositórios online, os capítulos fornecem novos dados sobre a configuração de impérios negreiros no Brasil. Se uma estrutura burocrática foi necessária para o sucesso do contrabando de africanos, não menos importante foi a participação dos principais interessados – os cafeicultores do Vale do Paraíba e a açucarocracia do nordeste. Por sinal, diante da ênfase historiográfica recente sobre o esquema criminoso de desembarque de africanos nas regiões cafeeiras do sudeste, os artigos que tratam do tráfico para o nordeste são muito bem vindos, oferecendo ao leitor outras perspectivas sobre esse comércio. A obra se engaja, ainda, com os debates sobre a Segunda Escravidão, mas os textos reduzem a escala de análise, sem perder de vista os acontecimentos em escala transnacional. Um excelente exercício de história social e de micro-história”.
A segunda edição de Tráfico & traficantes na ilegalidade guarda as mesmas características que tornaram-na indispensável no debate sobre o tráfico. É obra historiográfica de fôlego, cartadenuncia dos horrores do comércio atlântico de escravizados e da concupiscência humana e manifesto para que a sociedade brasileira tome posição resoluta para mitigar os efeitos nefastos
do comércio transatlântico de africanos escravizados, uma empresa que produziu muitas das desigualdades que acompanham o país até os nossos dias. — Carlos da Silva Jr., Universidade Estadual de Feira de Santana