"Senti uma profunda revolta ao testemunhar quão descartáveis são os corpos, ou partes de corpos, de quem é empregado em algumas das fábricas onde fotografei. Não me é aceitável que se destruam funções biológicas e motoras em pessoas tornadas coniventes. Ao contrário de um bailarino ou músico, a perfeição atingível pela repetição de um gesto não é o objectivo das acções de um operário. Dele apenas se exige constância. Dessa repetição, desse desperdício, o que me sobrou foi um apagamento, um acto de desaparecimento, quase tornado visível. De matéria, pouca. Passei a ver nas fábricas autênticos palcos onde acções concretas se desenrolam. Verdadeiros cenários: rigorosos, em que a escala, a cor da luz e as superfícies pautam os movimentos e os gestos. Das pessoas. Todos os dias, em sessões contínuas. Em todas as fotografias deixei que as pessoas sulcassem a superfície da película, com passagens repetidas, de movimentos, durante as poses longas de segundos e minutos. Durante as exposições desviava o olhar, com vergonha de ser notado e medo de estragar o que via. Breves filmes num instante, é com isso que fiquei." Pedro Letria Verbos de Pedro Letria